A Arquibancada Como Escola: O Futebol, a Ponte Preta e Minha Consciência de Classe
- O Macaco Campineiro
- 13 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Seguindo a linha do texto anterior, quero contar aqui um pouco sobre mim e sobre como torcer para a Ponte Preta influenciou profundamente minha radicalização política.
Quando criança, o futebol não era uma parte significativa da minha vida. Meu interesse só surgiu mais tarde, já adolescente. O primeiro jogo que assisti ao vivo foi um convite do meu melhor amigo de escola. Ponte Preta contra Grêmio Barueri, por volta de 2006. Era um dia de semana à noite, e fomos eu, meu amigo, meu pai e o pai dele. Para ser sincero, nem sabia a importância do jogo na época, nem a situação do time no campeonato. O que lembro claramente é que o jogo em si foi de péssima qualidade. As duas equipes estavam mal. O Grêmio Barueri saiu na frente, e parecia que tudo estava perdido. Mas no último minuto, a Ponte empatou, e a torcida explodiu. Foi nesse momento que algo clicou dentro de mim.
Aos poucos, fui me tornando um torcedor assíduo. Comecei a ir a todos os jogos que podia. Com o tempo, eu e meu pai nos tornamos sócios-torcedores, e nossa relação com o clube se intensificou. Jogos memoráveis passaram a marcar minha vida, como a dor da derrota na final do Paulista de 2008 para o Palmeiras, a decepção da final da Copa Sul-Americana contra o Lanús em 2013, e mais recentemente, a alegria indescritível do retorno à Série A do Campeonato Paulista em 2023, como campeão sobre o Novorizontino.
Mas a Ponte Preta sempre foi mais do que um clube de futebol, e isso me fascinava. A história de sua fundação em 1900 me intrigava. O time nasceu ligado às camadas mais populares no bairro da Ponte Preta, em Campinas. O bairro era conhecido por sua população operária, formada em grande parte por imigrantes e descendentes de escravizados. Esse contexto moldou a identidade do clube, que sempre carregou em sua história uma ligação forte com as classes trabalhadoras, na contramão de uma época onde a elite branca e abastada dominava o futebol no Brasil.
A escolha da mascote, a famosa "Macaca", é outro fato que exemplifica o caráter de resistência do clube. O apelido foi dado de forma pejorativa pelos adversários, uma referência racista à presença de negros na equipe e na torcida. Mas, ao invés de rejeitar esse insulto, a torcida abraçou o apelido, transformando-o em símbolo. A "Macaca" virou uma marca. Esse gesto de ressignificação sempre me impactou profundamente, pois representava a capacidade de virar o jogo, de pegar algo usado para nos diminuir e transformar em força.
Esse espírito de resistência que começou a moldar minha visão de mundo. Torcer para a Ponte não era apenas assistir a um jogo de futebol. Era um ato de identidade, de pertencimento a uma comunidade que historicamente enfrentou preconceitos, desigualdades e injustiças. Nas arquibancadas, vi representado o operário, o marginalizado, o revolucionário. Cada jogo era uma metáfora da vida: de batalhas diárias, de luta contra adversidades que pareciam intransponíveis, mas que, com resistência e união, poderiam ser superadas.
Esse contexto me levou a uma compreensão mais ampla da política. Passei a ver o futebol como uma arena que refletia as contradições da sociedade brasileira. A elitização dos estádios, a criminalização das torcidas organizadas, o afastamento das classes populares dos centros de poder. Assim como na arquibancada, a vida fora do futebol também exigia resistência e organização coletiva.
A Ponte Preta, com todas as suas contradições internas (que não são poucas), me ajudou a entender que a radicalização política não era uma escolha, mas uma necessidade. Viver em uma sociedade capitalista, desigual e racista exige tomar um lado. E para mim, o nosso lado precisa ser o lado revolucionário. A Ponte, por ser como ela é, e pelas características da sua torcida, já é revolucionária. É verdade que o tempo tenta apagar essas marcas, mas a história está do nosso lado.
Ser pontepretano é carregar não apenas a paixão por um time de futebol, mas a herança de luta de um povo que se recusa a ser derrotado. A Macaca nos ensina a resistir. Não é apenas sobre futebol. Torcer para a Macaca é afirmar que aqueles que estão nas margens podem, sim, se organizar e lutar por seus direitos. Hoje, minha radicalização política não é algo separado do meu amor pelo futebol, mas uma extensão dele. Assim como a Ponte enfrenta desafios dentro de campo, nós enfrentamos desafios sociais e políticos fora dele. A luta é contínua, e, assim como a torcida da Macaca não abandona seu time, eu também não abandonarei essa luta.
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